LEMBRANÇAS DA MINHA INFÂNCIA
Por: Lauro José de Avellar
A Petrópolis de hoje não é nem de longe, a mesma de anos atrás. Muita coisa mudou nos últimos 40 ou 50 anos.
A chegada dos brinquedos eletrônicos, a televisão, o vídeo-game, acabaram com as brincadeiras infantis tão comuns naqueles tempos. Lembro-me de, quando criança, morávamos na Rua Monsenhor Bacelar nº 376 e brincávamos de escorregar ali nesta rua, logo no início da descida, onde na época funcionava a embaixada inglesa.
A garotada toda se reunia ali e ficava horas à fio, escorregando naquele cimento áspero. Quando então íamos para casa, os fundilhos das nossas calças estavam todos comidos pelo cimento e nossa mãe já vinha nos receber com o chinelo na mão.
E você ouvinte, pensa que abandonávamos nossa diversão por causa disso? Que nada!!!
No dia seguinte, lá estávamos nos de novo praticando nossas escorregadas, rasgando novas calças e merecendo novas chineladas.
O nosso “Escorregador” continua lá até hoje e quando passo por lá, dá uma saudade imensa dos meus tempos de criança, tempos que não voltam mais. E ao rever aquele lugar fico pensando: Será que as crianças da Monsenhor Bacelar ainda hoje, brincam de escorregar? Eu sei que não, lamentavelmente, os tempos são outros....
Naquele tempo brincávamos de bolinha de gude, de pião, de pique esconde, soltar pipa,
E tantas outras brincadeiras que nos colocavam em contato com o sol, com a natureza e principalmente, com as outras crianças, coisas que hoje já não acontecem.
MARIA DE LOURDES MOLTER BRANCO
Ela nasceu na Av. Ipiranga 326 em 11 de junho de 1924 teve um irmão Osvaldo que faleceu ainda criança. Estudou no Kindergarten na Igreja Luterana, mas o pai por ser católico achou que ela deveria estudar em colégio católico e a colocou no São José.
O dono da Casa era João Koele e a esposa era Käthe Koele. No Natal D. Käthe mandou uma costureira de Correas fazer vestidos de bonecas e trouxe as duas filhas do marido da Alemanha, elas tinham em torno de 8 a 9 anos, vestiu-as com as roupas e as embalou em caixas, colocando-as sob a árvore. Foi um baita susto para o marido. Hoje as pessoas se preocupam em beber, fazer churrasco. Mas eu não entendo o Natal dessa forma. Da. Maria sempre teve muita curiosidade e interesse em aprender coisas novas. Sua mãe não sabia fazer trabalhos artesanais, então quando adolescente ia passar roupa em casas de vizinhas, começou a aprender tricô, crochê, bordado, etc. Até hoje não consegue sentar e ver TV, precisa estar fazendo alguma coisa. Mostra panos de prato com técnicas de aplicação, colagens, crochê, etc. Sianinhas imitando patinhos, outra imitando flamingos.
Numa ocasião conta ela, havia um programa de TV chamado cidade contra cidade. Era no Programa Silvio Santos. Tinha três ou quatro tarefas. Alguém descobriu que eu levava jeito para fazer as coisas e fui chamada para representar Petrópolis nessa gincana. Eram cinco roupas típicas que deveriam ser feitas de papel. Eu levantava durante a noite e colocava a cabeça para funcionar. Fiz uma noiva completa em tamanho normal com sapatos, anel, colar. A renda da anágua era de papel de contornar bolo. Era Guaratinguetá contra Petrópolis. Ganhei o concurso e uma ambulância para Petrópolis.
Certa vez alguém me procurou com uma música holandesa, pediu que a ouvisse e criasse em cima dela. Seriam apresentadas coreografias por diversos grupos para cada uma; chinesa, holandesa, fui ouvindo as músicas e imaginando as roupas. No dia da apresentação fiquei emocionada ao ver todos aqueles grupos caracterizados ao lembrar que tudo aquilo passou por minhas mãos.
Antônio Pinheiro, seu filho, nos conta outra história:
Ainda morávamos em outra casa, quando certa vez comprei um jogo de lâmpadas para o Natal, na Argentina, estava doido para estreá-las. Cheguei a casa e fui direto ligá-las, mas quem disse que elas acendiam. Havia uma arvore de Natal grande, testamos lâmpada por lâmpada, ligamos e nada. Meu pai ajudou, mexeu na tomada, desligamos tudo de novo e nada. Quer saber disse meu pai, deixa tudo pra lá, amanhã a gente tenta de novo. Fui deitar, deixando a porta aberta, meu quarto em cima, quando olhei p/porta, vi um menino de short branco olhando p/mim. Sentei na cama e perguntei: O que é que você está olhando p/mim, fala, fala garoto! Meu irmão que dormia ao lado disse: Com quem você está falando, está maluco? Bebeu alguma coisa? Você não está vendo o garoto?
O garoto disse: Olha, eu tinha uma missão, era levar alguém dessa casa hoje, mas você não foi teimoso, e era você que ia. Vai acender tuas velas, vai. O perigo passou.
Desci, o garoto estava embaixo olhando p/mim dizendo: vai lá agora, acende tuas lâmpadas. Eu fui lá, liguei as lâmpadas e elas acenderam todas.
Antônio continua contando.
Havia uma mulher aqui na Mosela, (ela omitiu o nome), muito esnobe e arrogante, apesar de ser de família humilde de caseiros. As pessoas já não aguantavam mais e então, quando ela marcou seu casamento, alguém bem gaiato colocou no jornal que este seria o casamento do ano. Que a recepção seria no jardim da mansão de não sei quem, as flores viriam de não se sabe onde, que o vestido da noiva seria o mais belo de todos os tempos. No dia do casamento, na igreja do Sagrado não cabia mais ninguém para ver o casamento do ano. E para tristeza dos curiosos, e satisfação dos gaiatos, o casamento aconteceu, a noiva chorando de vergonha e os noivos sendo vaiados.
Havia dois clubes. O Harmonia e o Luzeiro. Sabe quem dançava sempre com minha vó, a quadrilha francesa puxando as quadrilhas no Luzeiro? O príncipe. Ele era par dela. Não era aquela quadrilha que conhecemos hoje, toda macacada e sim a quadrilha francesa, era lindo! Da. Lourdes Boller tocava piano. Oque havia de mais bonito eram os bailes às vésperas do dia 29 de junho, dia de São Pedro. A meia noite eram apagadas as luzes e acesa uma fogueira. Esse costume acabou porque um artifício caiu numa casa que pegou fogo. Eram músicas tocadas ao piano. Pessoal que freqüentava o harmonia dizia que quem freqüentava o luzeiro não prestava. Diziam que fulano não presta freqüenta até o Luzeiro.. O Luzeiro tinha mesas e cadeiras enquanto que no Harmonia havia aqueles bancos compridos. Na época minha mãe ia ao baile e muitas levavam crianças que dormiam debaixo dos bancos, muitas crianças. Meu tio Salvador Kling era presidente do Harmonia Ele ficava em cima de uma cadeira no centro do salão vigiando os casais, se dançassem de rosto colado ou tocassem no ombro das moças sem ter lenço na mão eram advertidos. A banda era formada pelo Sr. Ernesto Schoen no violino e Guilhermo Moreira tocava harmônica,
Então no Luzeiro compraram uma tv e a Mosela toda ia assistir.
Havia aqui uma casa de pedras, o chamado colégio de pedras. por volta de 1951onde estudava a filha de Carlos Lacerda e os donos do colégio eram primos do Presidente Castelo Branco. O uniforme de gala era de guarda-marinha, todo branco, sapatos de verniz brancos, lindo. Mas o povo da Mosela não estudava muito ali porque era caro. Tinha aula de catecismo, de piano, inglês, francês, só alunos de famílias ricas. A professora de piano Da. Regina hoje dá aulas no Santa Cecília.
Havia o carro do leite, nós deixávamos uma leiteira de alças lá embaixo na entrada da rua, ele passava e enchia as leiteiras.
Você sabe que já caiu um avião aqui na Mosela ? Na esquina da Rua Major Sérgio com Professor Monken onde é o Campo do Serrano. Lá caiu um teço-teco, morreu todo mundo, o pessoal que foi lá ver disse que o defunto estava mortinho.
Também houve aqui um amigo que faleceu e deixou 5 viúvas. Na hora do velório eu não sabia à qual delas dava os pêsames. Em cada canto havia uma viúva chorando. O dentista da mãe diz que quando um enterro é grande é gente da Mosela. Todas se conheciam. Dei os pêsames àquelas a quem mais conhecia.
Aqui já fizeram novelas, filmes e seriados..
Quer ver outra coisa que tinha aqui na Mosela e que não tem mais? Bloco de carnaval. Reunia uns 50 ia todo mundo para a matinê e depois para a Avenida. Tinha um Sr. Antenor ele tinha um caminhão com carroceria aberta, ele carregava todo mundo que ia sentado lá. A Mosela é o melhor lugar para se morar em Petrópolis.
Antônio agora fala da Padaria Guarani. O Sr. Augusto Klippel trabalhava lá, esta pertencia aos pais do Sarg. Boenning. Chegaram dois telegramas comunicando a morte de um soldado de nome Fernando e outro do Sarg. Boenning. Os telegramas foram entregues para as famílias trocadas. As duas famílias estavam muito pesarosas pela morte do filho da outra família sem saber que seu próprio filho havia morrido. O do Boenning foi p/casa do Fernando Fontes, das duchas e vice-versa. Mal sabendo que seu próprio telegrama estava na casa do outros. Quando o exército descobriu a troca e foram até a padaria entregar o telegrama certo para Da. Frida, chegaram na hora em que uma multidão se aproximava da padaria para promover um quebra-quebra pelo fato de tratar-se de propriedade de alemães.O Professor Ernani que foi também diretor do Col. Pedro II, ele teve que dar um tiro para o alto para espantar e multidão e ele disse: Vocês estão sendo injustos. Eles acabam de receber da notícia da morte do filho deles, lutando a favor do Brasil. Eles falavam: E agora, como vamos contar a eles. Da. Frida não sossegou enquanto não foi visitar o túmulo do filho na Itália, no cemitério de Pistóia. Hoje seus restos mortais estão no rio, no monumento aos heróis da 2ª guerra mundial. O Sarg. Boenning e o Fernando fontes estão lá. É muito significativo aquele monumento. Alguns soldados não tem sequer identificação. Para estes tem uma inscrição dizendo: Aqui jaz um herói da pátria, Deus sabe seu nome. Aqui na Mosela teve baile para recepcionar os heróis da guerra quando voltaram. Daqui foram muitos rapazes para a guerra.
NATAL POR HILDA MAYWORM
Depoimento da Sra. Hilda Mayworm, recordando os natais de sua infância:
1º domingo de advento – dia 30 de novembro de 2008
Início de dezembro, faltavam agora apenas algumas semanas para o grande dia.....
De agora até o Natal, as famílias se preparavam de todas as formas e as crianças não cabiam em si de tanta expectativa.
Logo no início do mês, dia 6 de dezembro, dia de São Nicolau, as crianças ficavam num alvoroço só. Pois são Nicolau ou Papai Noel, visitava todas as casas. Ele vinha pela rua, tocando o sino e parava de casa em casa. Ao chegar, mandava as crianças rezar e eu me lembro bem, apesar de ser muito pequena do medo que sentia. Escondia-me na saia da minha mãe ou debaixo da mesa. E depois de rezar, entregávamos a cartinha com os nossos pedidos. Depois, São Nicolau seguia para outra casa.
Na véspera de Natal, mamãe fazia rosca doce com creme de passas e nozes, cuca de farofa, strudel de maçãs, cuca de banana (Caluncas) que eram uns bonecos com passas formando os olhos e o nariz e a massa era de pão doce, biscoitos de mel e outros confeitados com açúcar colorido.
No dia de Natal pela manhã, acordávamos e corríamos para sal ver os presentes que São Nicolau, Papai Noel ou Cristkind tinha deixado, depois íamos todos à missa e então voltávamos para casa tomar um gostoso café com as cucas.
O almoço era sempre farto, havia carne de porco, galinhas, perús, farofas, maionese, etc.
À noite um café com leite de vaca ou vinhos de jaboticaba, laranja, ameixa, coquinhos e ainda as cucas e os biscoitos.
Vinham sempre as irmãs da mamãe, compadres de meus pais e todos os familiares para cantarmos diante do presépio que meus pais e meus irmãos mais velhos faziam. Também a árvore de Natal que era natural, um cipreste, enfeitávamos com as bolas de jozefar e velas naturais que tínhamos que ficar uidando para não queimar a árvore. Então cantávamos Noite Feliz, Adeste Fidelis e outras canções, primeiro em alemão e depois em português, isto eram mais ou menos umas 20 pessoas. Anos mais tarde meu pai comprou o hamonium Meister que veio do Rio Grande do Sul que ele tocava. O compadre de meu pai Miguel Mayworm que era casado com Dª Georgina Santos Mayworm tocava gaita e eu também. Começávamos às 19,30 e íamos até às 22h.
Era uma noite maravilhosa.
Também no ano novo e no dia de reis, tudo era repetido.
Pena que já não seja mais assim. Talvez no sul do Brasil ainda comemorem desta maneira. Mas eu guardo com saudades estas lembranças da minha infância que nunca vão sair da minha memória.
Desejo a todos um feliz e abençoado Natal, que em nossos corações ainda possamos comemorar da forma mais pura, o nascimento do Menino Jesus.
Hilda e Nilson Mayworm
O NATAL DAS LEMBRANÇAS, POR MARIA SIXEL
Por: Maria Sixel
Fui à casa da Sra. Maria Sixel (83 anos) na Mosela que nos contou muitas histórias.
Sobre o Natal ela conta com saudades a seguinte história:
Lembro que aqui na Mosela, sempre no dia 6 de dezembro, “Dia de São Nicolau” acontecia uma comemoração muito curiosa; Uma moça muito bonita de cabelos louros e cacheados, montada sobre um jumento e vestida de noiva, subia pela Rua Mosela. Chamavam-na de Christkind. Ao seu lado caminhavam dois cavalheiros (talvez para tomar conta dela e do animal). Ela montava no animal, sentada de lado.
Na Mosela, uma verdadeira multidão de crianças estava à sua espera. Em determinado momento eram jogadas através das varandas, nozes, amêndoas, balas, etc, como forma de anunciar que o “Christkind” estava chegando. A criançada vibrava e todos gritavam: “Sie kommt schon” (Ela já está chegando) E não demorava muito. Logo que os personagens chegavam, as crianças em algazarra recebiam muitas guloseimas. E todos cantavam: Morgen kommt der Weinachtsmann, kommt mit seinem Gaben. (Amanhã vem o Papai Noel, vem com seus presentes).
Música: Morgen kommt der Weinachtsmann!
Dona Maria Sixel continua seu relato, lembrando dos natais de sua infância: Diz ela:
Já no início de dezembro, a sala da casa era fechada e as crianças não tinham mais acesso à ela, antes do Natal. Lá dentro, “Papai e Mamãe Noel” trabalhavam com afinco. Nós crianças, às vezes tentávamos ir do lado de fora e espiar pela janela, mas esta ficava fechada. Então, por vezes caíam do lado de dentro fios prateados e dourados que nossos pais diziam ser parte do cabelo dos anjos que estavam colocando os enfeites de Natal na árvore e na sala. E nós acreditávamos, para nós eram realmente anjinhos que estavam em nossa casa. (Suspira). Ah, como era boa esta expectativa!
Enquanto o grande dia não chegava, íamos ensaiando as músicas para o Natal: Alle Jahre wieder, O du Fröhliche, Stille Nacht, O Tannenbaum e muitas outras. E também havia o Calendário de Advento, onde do dia 1º até o dia 24 dezembro, podíamos abrir somente uma janelinha, aquela correspondente ao dia. E isto acendia mais ainda em nós, a chama da esperança pela data mágica.
Os presentes para o Natal, não eram comprados como hoje, quando os pais vão com as crianças ao shopping e elas escolhem o que querem ganhar. Tudo o que se ganhava era surpresa, uma após uma, e isto era maravilhoso. Quando então finalmente chegava o grande dia, lá pelas 4 horas da tarde, a mãe mandava todos tomarem banho e se arrumarem. Era um clima de festa, euforia e expectativa. Todos queriam estar bonitos, colocar sua melhor roupa para o grande momento. Quando então todos estavam prontos e as primeiras estrelas surgiam no céu, era chegada a grande hora: Finalmente a porta da sala se abria. E lá estava ela, a grande árvore, majestosa, colorida, toda enfeitada e iluminada à luz de dezenas de velas. Então podíamos entrar. Sobre a mesa, havia um prato com guloseimas para cada um e também os presentes estavam lá, esperando por nós. Mas, antes de abrir os presentes, cantávamos as músicas natalinas ensaiadas durante todo o mês, enquanto os corações batiam fortes. Só então podíamos conferir oque o Papai Noel havia deixado para cada um e também examinávamos a grande árvore, cuja luz refletia em nossos olhos.
Gosto muito do Natal. Tenho recordações muito, muito felizes, que guardo com muito carinho. Vou morrer sem esquecer.
E a música de Natal que eu mais gostava era esta: O Tannenbaum!
Ainda vamos ter aqui, muitas histórias contadas por Dª Maria Sixel, e com relação à história de hoje, no final da minha visita à sua casa, pude ver fotos de alguns natais em sua casa. E em todos os cantos havia algo que lembrava o Natal. Na porta da geladeira em forma de ímãs, receitas específicas sobre a mesa enfeitada com toalha, arranjos e louças com motivos alusivos, Presépios, um em especial Dª Maria fez dentro de um panetone que ela esculpiu, Luzes por toda a casa e a família reunida.
Fiquei muito feliz ao constatar o quanto o Natal é celebrado em sua forma mais representativa na casa da família Sixel, na Vila João Justen, na Mosela.
Obrigada pela bela tarde que a Sra. me proporcionou.
ONÇA VEGETARIANA
No início da colonização, os alemães em Petrópolis tiravam seu sustento das terras que ocupavam. Assim também, o Sr. Pedro possuía um prazo de terra no Quarteirão Darmstadt. Lá plantava batatas, feijão, milho e tinha também uma pequena horta. Criava porcos, galinhas, cabras e algumas vacas leiteiras. As casas eram poucas e havia grande região de mata, com onças que ameaçavam a criação doméstica. Certo dia, o filho do Sr. Pedro, o Jacob e seu primo que também se chamava Jacob, estavam tomando conta dos animais, quando avistaram duas onças, já prontas para o ataque. Armados de pedaços de pau e porretes, partiram para cima delas, até elas desmaiarem. Em seguida, pegaram uma corda e amarraram os rabos das duas bem forte e foram embora. Ao chegarem em casa e relatarem o fato ao Sr. Pedro, este ficou muito zangado. – “Voces não poderiam ter feito isso. E agora, como elas vão caçar para sobreviver?” E como castigo, obrigou os meninos á alimentar as onças, evitando naturalmente, a carne. E a partir daquele dia, os dois meninos todos os dias mata adentro, alimentar as onças com legumes, capim e muitas frutas. Certo dia, os dois meninos chegaram na mata e encontraram um macaco que com pena das pobres onças, desamarrava seus rabos. Conta a lenda que quem encontrar uma onça em Petrópolis, não precisa ter medo. Onça daqui não come carne alguma, nem de macaco. Onça petropolitana é vegetariana.
História coletada por Anne Grotz, narrada por Ildefonso Troyack
ONDE ANDA O ESPÍRITO DE NATAL
Elisabeth Graebner (2º domingo de advento) 2008
Os primeiros Natais que eu me recordo, eu devia ter uns 4 anos de idade. Morava com minha mãe na casa de uma das minhas madrinhas onde mamãe era empregada doméstica em Itoupava Central, Blumenau/SC.
Como era de tradição na casa dos alemães, todos os preparativos eram secretos, a única coisa perceptível era a euforia e a expectativa. As casas recebiam pintura nova, os canteiros de flores recebiam um capricho especial assim como o gramado, janelas, cortinas e tapetes eram lavados, tudo para o Natal. No ano anterior, ganhei um boneco destes de plástico com cabelo em relevo. Ele veio de short azul, camisa listrada azul e branca de marinheiro e um boné azul. E eu o batizei de Rui. Esta roupa foi feita pela mamãe Noel lá de casa. No 1º domingo de advento, lá estava a coroa de cipreste com suas 4 velas, já anunciando a chegada do Natal. No mês de dezembro todos os dias à tarde, mamãe trabalhava no quarto de costuras a portas fechadas, criança não podia entrar. Nas vésperas do Natal, o cheiro das cucas, dos biscoitos e das demais delícias, era irresistível. E eis que a sala ficava trancada. Era um mistério só. Nunca tinha visto como a árvore chegava lá em casa, ela era montada só dia 24 como era costume na casa dos alemães. Do lado debaixo da rua, bem em frente à nossa casa, morava minha outra madrinha. Naquele dia, quando olhei para a janela dela, vi através da cortina os galhos da árvore de Natal dela. Fui para a frente da minha casa espiar a árvore dela mas ela percebeu e fechou a janela e puxou a cortina. Mas, não havia problema. Logo seria noite e eu poderia ver a nossa árvore e tudo mais. As horas não passavam. Mas finalmente, por volta das 6 da tarde, era hora de começarmos a nos arrumar. Depois do banho, o melhor vestido. Na maioria das vezes, feito para esta ocasião. Em seguida ceávamos. Não havia o costume de esperar dar meia noite. Depois da ceia e da cozinha arrumada, era chegado o grande momento. Finalmente a porta da sala se abria e a visão era algo indescritível. A árvore gigante, com as velas acesas, um clima de festa, de amor, de emoção que não dá para descrever. Cantávamos as canções de natal que foram ensaiadas nos domingos de advento e então ouvíamos o som de um sininho se aproximando. Cada vez mais perto até parecer que o som iria entrar pela porta da sala, mas nada, o sininho parava de tocar e então alguém ia lá ver quem teria sido mas do lado de fora não havia ninguém. Mas havia algo, um o saco que continha presentes, maçãs e outras guloseimas. E eu ganhei uma boneca nova. Nova??? Sim, ela parecia nova, estava com um lindo vestido florido de saia muito rodada, com anáguas por baixo e um lindo chapéu na cabeça no mesmo tecido enfeitado por laços de fitas. Mas, olhando bem, eu conhecia aquela boneca. Ou era aquele boneco? Mamãe observava minha reação ao descobrir que dentro daquele vestido, estava o mesmo boneco do ano passado ou seja; era o Rui. Mas, olhando bem, a roupa de menina estava tão linda. Então abracei minha nova boneca e resolvi chamá-la, vejam vocês de....Anne!
Quando fiz 6 anos e estava matriculada na escola, eu tinha um enorme desejo de Natal. Meu presente mais desejado era a Pasta de material para o colégio. Naquele tempo não existiam mochilas. Quando alguém chegava em casa naquele dezembro carregando um embrulho suspeito, eu logo perguntava se era minha pasta. Certo dia meu Padrinho Tio Gustavo, chegou em casa com um embrulho fino e retangular. Eu corri até ele e pergunte aos pulos: é a minha pasta, a minha pasta??? Ele sorriu dizendo. Que, tua pasta, quem disse que voce vai ganhar pasta no natal? Eu não conseguia pensar em outra coisa. Naquela noite de Natal, aquele embrulho estava lá, debaixo da árvore. Eu não conseguia desviar os olhos dele e pensar: É a minha pasta..Quando finalmente chegou a hora de abrir os presentes e aquele embrulho foi entregue a mim, meu coração disparou. Mas, apalpando, realmente não parecia uma pasta de material de colégio. E quando abri, era uma pequena cadeira de praia de madeira, destas que dobram e no encosto havia o desenho de um cachorro basset. Igualzinho a cachorra que eu tinha. Apesar de não ter sido a pasta, amei a cadeira e de tal forma que ela existe até hoje e está guardada na casa da minha mãe, inteirinha.
Outros natais vieram. Também os tempos difíceis o que não apagava o brilho da esperança e do espírito de Natal. Eu já tinha irmãos, não morava mais com minha madrinha e podíamos ajudar na fabricação dos biscoitos. Era uma festa. Ajudávamos a cortar a grama, revigorar os canteiros das flores, lavar as janelas e as cortinas. Tapetes não havia mais e a luz era a lampião de querosene. Segundo a tradição alemã, no natal é feriado dia 25 e 26, assim como no ano novo é dia 1 e 2.
Para que pudéssemos curtir os dois feriados era necessário providenciar alimento para os cavalos, os porcos, as vacas, as galinhas por dois dias. Isto não era fácil. Cortávamos capim que era amarrado em feixes, colhíamos balaios de aipim e batata doce para os porcos que eram carregados nas costas em balaios para abastecer o rancho, e tínhamos que debulhar milho suficiente paras as galinhas, patos e marrecos ao ponto de ficarmos com calos nas mãos e a pele sair. Mas, tudo era motivo de alegria.
Apesar de já estarmos grandinhos, eu com 8 ou 9 anos, ainda era um mistério como a árvore de natal entrava lá em casa. A cerimônia era a mesma, tudo em segredo e o mesmo impacto na hora em que a porta da sala se abria. Já não havia brinquedos, mas ganhávamos roupas novas ou tecidos, e para cada um havia um prato com maçãs, chocolates e balas. Estas guloseimas vinham de São Paulo, Tia Anita, irmã de mamãe mandava uma caixa todos os anos. E enquanto nossos olhos percorriam os enfeites e as luzes da árvore da Natal, cantávamos com toda empolgação os hinos ensaiados enquanto os nossos corações pareciam querer explodir de emoção. No dia seguinte cedo tomávamos aquele café da manhã delicioso, com tantas coisas gostosas que mamãe havia feito que nem dava para comer um pedacinhos de cada cuca, bolo ou torta ou um biscoito de cada para provar. Depois íamos ao culto, mamãe ficava em casa adiantando o almoço. Quando chegávamos ajudávamos com o que faltava fazer e depois do almoço, normalmente tínhamos visitas. Eram tardes de confraternização, regadas com cafés deliciosos, mas a noite de Natal não saía das nossas lembranças. Com ou sem presentes, o brilho do Natal vinha de dentro de cada um e estas lembranças fazem parte das melhores de toda minha vida.
OS BAILES NA COLÔNIA
Nos primórdios da colonização alemã em Petrópolis, existia uma grande rivalidade entre os moradores do Bingen e Mosela.
Quando havia bailes no Clube do Bingen no Quarteirão Darmstadt, os moradores do Quarteirão Mosela só podiam frequenta-lo se fossem amigos dos moradores locais e vice-versa. Quando os bailes aconteciam no Clube Harmonia do Quarteirão Mosela, o mesmo acontecia com os moradores do Bingen.
As mocinhas nunca iam aos bailes sozinhas. Estavam sempre acompanhadas dos pais ou de irmãos mais velhos. E quando o cavalheiro de um bairro convidava uma dama de outro para dançar, este precisava de autorização do acompanhante. Se não passasse pela avaliação, a dança não era permitida.
O Sr. Ildefonso Troyack, morador do Quarteirão Darmstadt, também nos contou essa história. Desta vez o baile era no Clube Harmonia no Mosela. Era costume os cavalheiros curvarem-se diante da dama respeitosamente estendendo a mão dizendo: Mademoiselle?
O Sr. Ildefonso, ainda jovem, chegou ao baile, olhou o movimento quando viu lá num canto do salão uma linda jovem sentada sozinha e cabisbaixa e pensou: Vou convidá-la para dançar comigo.
Aproximou-se, curvou-se diante dela, estendeu a mão e cumpriu o ritual: “mademoiselle?”
Mas, para que! A dama pulou da cadeira enfurecida e com o dedo em riste, partiu para cima do assustado Ildefonso dizendo: “Matama da Mosela é a Tiabo que te carregue. Eu ser Matama da Bingen”
História coletada por Anne Grotz, narrada por Ildefonso Troyack
MARIA SIXEL E ANTÔNIO PINHEIRO
Os Clubes Harmonia e Luzeiro no Quarteirão Mosela.
Estes dois Clubes eram os mais importantes do Mosela, mas curiosamente havia certa rivalidade entre seus frequentadores. O Clube Luzeiro tinha mesas e cadeiras individuais, enquanto que o Harmonia tinha mesas compridas com bancos de madeira. Os frequentadores de um Clube depreciavam aqueles que frequentavam o outro Clube, com palavras do tipo: “Fulano? Fulano não vale nada. Ele inclusive frequenta o Luzeiro” E os frequentadores do Luzeiro, diziam a mesma coisa a respeito dos frequentadores do Harmonia.
Na época, as famílias iam completas aos bailes e enquanto os adultos dançavam, as crianças brincavam ou quando ficava tarde, acabavam adormecendo debaixo dos bancos.
No Clube Luzeiro, uma das atrações mais bonitas era a apresentação das quadrilhas. Os cavalheiros e as Damas vestiam-se elegantemente e dançavam cortejando-se. E sabe quem era o par de minha avó? O Príncipe D. Pedro de Orleans e Bragança, diz Antônio. Ele e minha avó puxavam as Quadrilhas. A música era ao vivo no piano e a pianista era a Sra. Lourdes Boller.
Já no Harmonia, meu tio Salvador Kling que era presidente do Clube, ficava de pé sobre uma cadeira colocada no centro da pista de dança, vigiando os casais. Se dançassem de rosto colado ou o rapaz colocasse sua mão sobre o ombro da moça, sem colocar um lenço entre sua mão e o ombro, estes eram seriamente advertidos. A banda u tocava lá era formada pelo Sr. Ernesto Schoen ao violino, Guilherme Moreira com sua harmônica, entre outros.
Havia também os bailes que aconteciam no Harmonia tradicionalmente ao dia 29 de junho. À meia noite as luzes eram apagadas e uma enorme fogueira era acesa e em seguida havia uma enorme e esperada queima de fogos. Este costume acabou depois que um artifício atingiu uma casa que pegou fogo. Mas a Rua Mosela ficava tomada de gente que vinha de todos os cantos.
Eram tempos maravilhosos. Tempos que não voltam mais. Tempos em que as famílias saíam juntas para se divertirem e os bailes eram a oportunidade de belas confraternizações e encontro de amigos.
Mesmo assim, aqui no Quarteirão Mosela, me encontro no melhor lugar para morar.
QUEM NÃO TEM CÃO...
Nos tempos antigos como sabemos, tudo era muito mais difícil. Não havia o conforto de hoje. As tarefas diárias eram cumpridas de forma rudimentar, com os meios disponíveis.
Para os colonos se deslocarem de um Quarteirão ao outro, tinham que fazê-lo a pé ou em carroças puxadas pior animais. Alguns tinham cavalos, outros usavam bodes que puxavam carrocinhas em que eram transportadas as mercadorias para serem vendidas ou trocadas.
O Sr. Pedro era um desses colonos. Ele usava bodes para puxar sua carrocinha de leite que era entregue de porta em porta.
Aconteceu que, certo dia ao voltar para casa, soltou os bodes no pasto para que pudessem descansar e se alimentar. Mas, à noite quando foi recolher os animais, procurou em vão. Após horas de busca, constatou que eles haviam sido mortos por uma onça que rondava a região. O Sr. Pedro ficou muito aborrecido pois dependia dos bodes para entregar o leite, que era o seu ganha pão.
Então, montou vigília em suas terras e preparou uma armadilha. E não demorou muito. Conseguiu capturar a onça viva. Então prendeu-a numa jaula e começou a domesticá-la.
Algumas semanas mais tarde observou que estava logrando êxito em seu intento e como castigo para a onça, colocou-a no lugar dos bodes para puxar a carroça de leite.
Dizem que ainda há em Petrópolis, quem se lembra do Sr. Pedro indo de Quarteirão em Quarteirão, entregando o leite de cada dia em sua carroça puxada por nada mais nada menos que uma onça.
ENTREVISTA COM STELLA NIENHAUS
É ela quem conta: Meu tio, Miguel Sixel construiu o Hotel Majestic que ficava na Praça da Liberdade. O hotel era muito bonito e os petropolitanos quebraram tudo, jogaram o piano pela janela. Ele também construiu o Hotel Cremerie.
Certo dia ele soube que havia chegado a Juiz de Fora três moças da Alemanha, ele mandou buscá-las para seu hotel, uma delas mais tarde, tornou-se a minha mãe Ana Peters. Sempre que ele sabia da presença de alemães em algum lugar, ele ia atrás. Seus empregados eram quase todos alemães. Ele fez uma casa para minha família atrás do Lago do Cremerie. (Ela mostra fotos da época), os caminhos no parque, as hortênsias, seus pais e irmãos. Havia também um pavilhão enorme e lindo e nossa casa ficava atrás dele. Muitas árvores. Eu tive uma infância muito bonita. Tio Miguel também fez uma casa bonita para a família dele.